Pra que servem os muros,
afinal? Para segregar e delimitar propriedade. A Igreja de Cristo deveria estar
no ramo de demolição, e não de construção de muros. Em Cristo, tudo o que nos
separa deve ser transposto.
Não se pode usar textos
isolados das Escrituras para justificar qualquer tipo de segregação. A igreja é
lugar de congregar, e não de segregar. Seu ambiente deve possibilitar o
intercâmbio, a troca de experiências, a partilha de recursos. Nela as pessoas
devem se sentir à vontade para amar e se deixarem amar, independentemente de
posição social, etnia ou faixa etária.
Quem promove segregação
demonstra não ter entendido a amplitude da obra consumada na Cruz. Veja o que
Paulo diz aos Efésios:
“Portanto, lembrai-vos de
que vós outrora éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na
carne se chamam circuncisão, feita pela mão dos homens; que naquele tempo
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças
da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” (Ef.2:11-12).
Tal era a nossa condição
antes que Cristo vertesse Seu sangue na Cruz. Éramos todos alienados de Deus, e
segregados uns dos outros. A Cruz foi a resposta de Deus à alienação humana.
Pausa pra respirar fundo.
Agora deixemos que Paulo prossiga em sua explanação:
“Mas AGORA em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegaste perto.
Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um, e destruiu a parede de
separação, a barreira de inimizade que estava no meio, desfazendo na sua carne”
(vv.13-14).
ACABOU! O muro ruiu! Deus
unificou os povos, e deu à humanidade um novo nome: IGREJA.
Isso mesmo que acabei de
dizer. A Igreja nada mais é do que a nova humanidade, isto é, a humanidade
reformada, reconfigurada, renovada.
Todas as distinções
caíram por terra. “Assim já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da família de Deus” (v.19).
Foi a Cruz que rompeu com
o muro de inimizade que havia entre os homens. Pena que tantos ministérios
trabalhem para reconstruir o que custou tão caro para Deus derrubar.
Seguindo esta mesma linha
de raciocínio, Paulo diz em outra passagem:
“Desta forma não há judeu
nem grego, não há servo nem livre, não há macho nem fêmea, pois todos vós sois
um em Cristo Jesus” (Gl.3:28).
Parafraseando o verso,
diríamos: Não há mais branco, negro ou índio. Não há mais patrão ou empregado.
Não há mais distinção sexista. Ninguém deve ser julgado pela cor de sua pele,
por sua posição social, ou por seu gênero sexual. Todos fomos nivelados pela
Cruz.
Embora os muros já tenham
sido derrubados, eles ainda habitam nosso imaginário, como verdadeiras
fortalezas espirituais que precisam ser dinamitadas (2 Co.10:4).
A serpente do paraíso
agora se arroga a guardiã dos muros. Ninguém é mais conservador do que o diabo.
Ele prefere as coisas do jeito que estão. Por isso, luta pela manutenção do
Status Quo.
Lemos em Eclesiastes
10:8:
“Quem fizer uma cova,
cairá nela; quem romper um muro, uma cobra o morderá.”
Esta cobra, representação
do diabo, é quem mantém as pessoas afastadas do muro. O controle que ela exerce
é pela via do medo do desconhecido. E assim, ela consegue manter as pessoas
aprisionadas em seu próprio mundinho particular.
Um ótimo filme sobre este
tema é A Vila, do diretor indiano M. Night Shyamalan, que retrata os habitantes
de um vilarejo encravado numa floresta, que vivem isolados do mundo exterior,
pois ninguém pode cruzar a fronteira do bosque que cerca o lugar. Muitos anos
antes foi firmado uma espécie de pacto com os estranhos seres que vivem na
mata, e nenhum humano pode se aventurar bosque adentro ou coisas terríveis
podem acontecer. Quando alguns animais começam a aparecer esfolados e marcas
vermelhas amanhecem nas portas das casas de todos, fica evidente que a paz com
os habitantes da floresta foi de alguma forma perturbada. O jovem Lucius é o
único com coragem para atravessar o bosque em busca de remédios para seu povo,
mas é contido pelos anciãos do vilarejo. A impressão inicial é que a história
se dá em séculos passados. Mas no final do filme, para a surpresa de todos,
descobre-se que a trama se desenrola nos tempos atuais, e que todo aquele
mistério nada mais era do que uma mentira inventada pelos fundadores da vila,
para manter seus habitantes longe do contato com o mundo exterior.
Os crentes primitivos
tiveram sua fase de “A Vila”. A ordem de Jesus foi clara: Deveriam ficar em
Jerusalém até que fossem revestidos do poder do Espírito Santo. A partir daí,
deveriam se espalhar pelo mundo, atravessar fronteiras, ir ao encontro de
outras culturas, e pregar o Evangelho destemidamente. Mas o que eles fizeram?
Ficaram plantados em Jerusalém. Deus teve que permitir uma perseguição
implacável contra a igreja, para que os discípulos se deixassem espalhar.
Romper o muro é deixar
nossa zona de conforto e sair ao encontro do desconhecido, do imprevisível, sem
se importar com as ameaças da serpente.
Em sua despedida dos
Efésios, Paulo desabafa: “E agora, compelido pelo Espírito, vou para Jerusalém,
não sabendo o que lá me há de acontecer. Somente sei o que o Espírito Santo de
cidade em cidade me revela, dizendo que me esperam prisões e tribulações”
(At.20:22-23). Quem aceitaria ir nessas condições? Quem, de bom grado, deixaria
um lugar onde se é amado, para aventurar-se num lugar onde se é odiado?
Parafraseando Paulo: -
Tudo bem! Eu não tenho minha vida por preciosa! O que me interessa é cumprir
com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para
dar testemunho do evangelho da graça de Deus (v. 24).
Em outra de suas viagens,
desta vez para Roma, Paulo sofreu uma naufrágio, e foi parar numa ilha chamada
Malta, juntamente com toda a tripulação do navio.
Enquanto se aquecia ao
redor de uma fogueira, uma serpente saltou do fogo e se apegou à sua mão.
“Quando os nativos viram a serpente pendurada na mão dele, diziam uns aos
outros: Certamente este homem é homicida; pois embora salvo do mar, a Justiça
não o deixa viver” (At.28:4).
Se Paulo fosse julgado
pelos critérios com que os ministérios de hoje são avaliados, diríamos que ele
foi um completo fracasso. Ele nunca constituiu uma mega-igreja. Nunca viajou de
primeira-classe. Os habitantes de Malta tinham razão em desconfiar dele. O que
não sabiam é que aquela serpente era como que um aviso para que Paulo se
mantivesse longe daquela gente. O que Paulo fez? “Mas, sacudindo ele a cobra no
fogo, não sofreu mal nenhum. Eles esperavam que Paulo viesse a inchar ou a cair
morto de repente, mas tendo esperando muito tempo e vendo que nenhum incômodo
lhe sobrevinha, mudando de parecer, diziam que era um deus” (vv.5-6).
Resultado: os nativos daquela ilha foram alcançados pelo Evangelho.
Não podemos permitir que
a serpente se nos apegue à mão, isto é, comprometa nossa obra no Senhor. Seu
veneno já não tem qualquer poder de nocividade contra nós.
Que venham as ameaças.
Não temos nossa vida por preciosa! Que venham as mordidas de serpentes, seu
veneno será neutralizado. Seu bote já não nos aterroriza.
Cristo destruiu o que
tinha o império da morte, a saber, o diabo, e libertou todos os que estavam
presos pelo medo da morte (Hb. 2:14).
Maior é o que está em
nós! E não estou falando de triunfalismo barato, mas de confiança n’Aquele que
nos enviou a transpor os muros, e que garantiu que pegaríamos nas serpentes, e
que nenhum mal nos sucederia (Mc.16:15-17).
E quanto a guardiã dos
muros? Seu destino está selado. Em breve será esmagada sob os nossos pés
(Rm.16:20).
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